Houve tempo em que, cá em casa se ansiava pela hora em que a
mãe contava uma história… Agora é o tempo em que a mãe pede à minacamina que
conte as suas histórias!
Nem sempre este pedido é acedido com facilidade. Muitas
vezes tem mesmo de se negociar. Ler é bom, e ela já o consegue fazer, mas ainda
exige um esforço grande e por isso é sempre melhor que seja o outro a faze-lo.
Então, vamos lá partilhar as nossas estratégias…
Por onde começar?
Podemos sempre pedir às crianças
que comecem por ler os livros infantis, cujas histórias elas já conhecem por
todas as vezes que ouviram a mãe ou a
titi contar. É um bom ponto de
partida na medida em que a familiaridade é facilitadora mas, nesse caso, não
estarão a descobrir! Não estarão a fazer a sua primeira leitura, a sua
interpretação e a criar a sua própria imagem da história que estão a ler. Há
crianças que, mesmo antes de saberem ler, já gostam de simular a leitura
indicando o texto com o dedinho enquanto a mãe lê, tentando associar a palavra
escrita à falada, sobretudo quando ela aparece muito repetidamente, ou
brincando a fazer de conta que contam histórias uns aos outros, aos bonecos ou
aos amigos imaginários (uma delicia!). O francisquinho
é muito assim. Estas brincadeiras, que surgem espontaneamente em crianças “mais
leitoras”, sugerem um bom desenvolvimento do interesse pela leitura, e não só.
Entretanto podemos ir
introduzindo outros infantis, que não pertençam às estantes cá de casa. Ir à
biblioteca, fazer um cartão de leitor e requisitar um livro por um período de
uma semana, é bastante pedagógico. As bibliotecas estão cada vez mais
“dinâmicas”, oferecendo frequentemente sessões de leitura, atividades e ateliês
especialmente pensados para as crianças e famílias. Para além de servir para
aprenderem que para conhecer e explorar não é preciso “ter”, estas experiências
servem também para aumentar o leque de livros a que podem ter acesso e a
responsabilidade de cuidar deles e devolve-los com responsabilidade.
As livrarias também têm investido
significativamente nos espaços infantis. Ir à livraria é, normalmente, uma
verdadeira diversão. Afinal podemos ver os livros, contar as histórias uns aos
outros e brincar…
Depois há que graduar…
Comecemos então pelos infantis,
com pouco texto e muita ilustração, palavras-chave ou expressões fortes, com
significado para as crianças e que surgem muito repetidamente, como é o caso
de: “Alto lá!”, no “Cuquedo” ou “Um Grufalão é um Grufalão, não conheces,
não?!”, no livro “O Grufalão”. Às tantas, já as sabem de cor, antecipam-se à
nossa leitura, é muito engraçado!
Eu não nutro especial simpatia
pelos livros baseados nas personagens de desenhos animados, gosto muito dos que
a titi nos trás, com temas que suscitam brincadeiras, debates, conversas,
aprendizagens criativas.
Mas adiante, não me vou
entusiasmar porque isto dava uma tese!!!
Depois desses, quando a criança
já conseguir fazer uma leitura mais fluente e demonstrar maior
resistência/tolerância à exigência da leitura, podemos então introduzir os
livros juvenis. A impressão que eu tenho é a de que há muito mais oferta de
livros infantis do que de livros juvenis. Mas não sei se, efetivamente, esta
impressão corresponde à realidade ou se é apenas por ainda não estar tão familiarizada
com o mercado desta categoria. Ainda assim, há juvenil para “iniciados” e
juvenil para “avançados” e, naturalmente, devemos começar pelos que, mesmo
tendo temas para o interesse dos mais crescidos, continuam a ter muita
ilustração (se divertida, tanto melhor), capítulos pequeninos e uma escrita
caracterizada por vocabulário simples, frases curtas e ideias claras e
objetivas.
Cá em casa começámos pelos divertidos
“As histórias de Henriqueta a
melhor do Planeta”, de Martine Murray, Editorial Presença
Não estarei a exagerar se disser
que a maior parte da história é contada pelas divertidíssimas ilustrações e
pela forma como se articulam com o texto. Com um design tão dinâmico, não há forma das crianças se aborrecerem!”
Henriqueta” é uma menina cheia de energia e criatividade, que adora dizer
palavras caras, muitas vezes inventadas por si, e que, como quase todas as
crianças, trata os amigos pelos seus “nome e sobrenome”. Bem que eu gostava de
saber porquê!!! Os temas giram muito em torno do universo de uma criança, o
real que corresponde ao seu contexto familiar e escolar, e o imaginário. E este
último, neste caso, é verdadeiramente grande e divertido.
“O Diário de Lisa BUM – Agente
secreta em ação”, de Emily Gale, Booksmile (editora)
À semelhança do anterior, este
livro é também muito suportado pelas ilustrações criativas, dinâmicas e pouco
convencionais. A personagem “Lisa BUM” é também muito divertida e imaginativa,
mas o facto de se tratar de um diário faz com que se introduza o conceito de
capítulo. Isto facilita o estabelecimento de uma meta de leitura mais objetiva,
o que no caso de livros como o anterior poderá ser feito, mas de forma mais
subjetiva e de acordo com a tolerância da criança. Ainda assim, se virmos que é
muito difícil para a criança ler um capítulo por dia, podemos alternarmo-nos.
Nós usamos muito esta estratégia. Quando a minacamina
está cansada, nós (adultos) intercalamos com a nossa leitura de uma ou duas
páginas, e assim vamos avançando até ao final do capítulo. A nossa leitura, por
norma, sabe-lhes melhor. A entoação dá-lhe uma dinâmica que eles, nesta fase,
ainda não conseguem criar, mas que apreciam bastante. Este “intervalo”, esta
“música” (chama-se prosódia), este “empurrãozinho na história”, para além de
lhes dar um pequeno descanso, volta a espevitar a curiosidade e o interesse
pela história, dando um incentivo para continuar, pelo menos até ao fim do
capítulo. E depois? Amanhã há mais!
"O menino Nicolau”, Sempé e Goscinni,
da Teorema (editora)
Uma coleção de histórias, qual
delas a mais divertida! O menino Nicolau é uma criança caprichosa, perita em
deixar os outros em apuros, sobretudo o seu pai. Lembro-me de ter lido estes
pequenos livros quando era pequenina e das minhas gargalhadas serem de tal modo
contagiantes, que toda a família acabou por querer lê-los, desde o meu pai, à
minha avó! Agora, para além de serem um bom incentivo à leitura para a minacamina, estes livros são também uma
forma de nós (adultos) nos recordarmos do quão nos divertimos a lê-los no
passado.
“Minnie & Friends” ou outros
do género, desde que atuais (por causa do PT do Brasil)
A banda desenhada, apesar de
nunca ter sido o meu estilo favorito, continua a cativar bastante as crianças.
As histórias contadas em quadradinhos lêem-se rapidamente e, normalmente têm
enredos divertidos. Como já disse, pessoalmente não sou grande apreciadora dos
livros baseados em figuras de desenhos animados, mas tenho de admitir que
poderá haver situações em que isso funcione como um incentivo para a leitura da
criança. Se assim for, vale tudo!
Variar para não enjoar
A seleção do livro e as
estratégias a adotar neste processo de integração do hábito de leitura deverão
depender sempre da criança ou da fase em que se encontra. Não há receitas! Pode
haver situações em que a criança está tão entusiasmada que não descansa
enquanto não chegar ao fim da história, outras em que gostou tanto que quer ler
outro livro da mesma coleção ou personagem, ou outras, em que esteja a ler um
livro um pouco mais “denso” e por isso, talvez possa ser positivo ir alternando
com outro ou outros livros. Seja como for é sempre bom que eles estejam ali, à
mão de semear, acessíveis e sempre prontos a relembrar que ler é bom,
inspira-nos para sonhar!
Com tudo isto, resta-me lembrar, que eu não sou escritora,
pedagoga nem pediatra. Sou mãe de duas crianças e terapeuta ocupacional
pediátrica. Estou treinada a analisar as atividades de forma a favorecer o
desempenho, o envolvimento e a participação das crianças nelas. As ideias que
aqui partilho resultam da minha vivência que, nesta área em particular, tem
sido significativamente enriquecida pela “titi”
dos meninos e seus gostos, interesses e conhecimentos de literatura infantil e
juvenil. Temos descoberto e aprendido tanto com todos estes livros, que cada
vez gostamos mais deles. Não consigo evitar a partilha deste prazer com as
crianças e com todos os que me rodeiam!